Novo normal: Com consumidores em casa, condomínios atraem negócios
As políticas de distanciamento social e de restrição de circulação em combate à pandemia levou trabalhadores e estudantes para dentro de casa, alterando, repentinamente, os hábitos de consumo de milhões de pessoas no Brasil. E, se o consumidor não pode ir ao varejo, o varejo vai ao consumidor.
Dessa forma, condomínios estão se transformando em verdadeiros hubs de negócios, muito além dos tradicionais comércios e serviços informais ou pouco estruturados, como a vizinha que faz bolos ou o rapaz que dá aulas particulares.
O delivery foi a solução imediata para resolver quase toda necessidade de compra e contratação de serviços. O modelo, porém, não resolve todas as necessidades e os já reconhecidos “proximidade e conveniência” ganharam maior relevância, levando empresas e marcas importantes a descobrirem ou valorizarem os condomínios.
No Novo Normal dos condomínios, o shopping center pode ficar ali no pilotis.
Surfar na onda do home center exige obedecer estatutos e lei
Espaço com segurança e infraestrutura, público (quase) cativo e uma demanda crescente fazem dos condomínios pontos cada vez mais desejados. Empreender nestes locais, porém, não é apenas uma questão de ter capital e vontade. Surfar na tendência de “home center” requer compreender a legislação nacional e também o que dizem os estatutos condominiais.
Segundo o CEO da Casa Administradora, Daniel Nahas, ainda que não possam se sobrepor às leis, os estatutos estabelecem limites próprios e o descumprimento pode gerar muita dor de cabeça para o empreendedor e também para síndicos e administradores.
“Recomendamos que a implantação seja discutida em assembleia. O espaço utilizado é comum e todo proprietário tem a sua cota-parte. Via de regra, a instalação não tem ônus para o condomínio. Muitas vezes a administradora é procurada pelo empreendedor e leva a ideia para os condôminos. Fechamos um contrato, por exemplo, com uma empresa de reciclagem de lixo orgânico que percebeu que o descarte aumentou nos condomínios residenciais a partir da pandemia. Ela recolhe o lixo nos apartamentos e, em contrapartida, fornece adubo para o jardim e sementes de temperos para os condôminos”, explica Nahas.
Modelos
Escolas, mercearias, lojas de cosméticos, sorveterias, entre outros negócios, já estão dentro dos condomínios, sejam parte de grandes redes ou operações individuais.
A rede de lavanderias 5àsec lançou, no ano passado, lockers, que são armários digitais que podem ser instalados pelos franqueados que já compõem a rede em condomínios residenciais, comerciais e até academias. A estratégia é oferecer comodidade aos clientes, que podem deixar suas roupas para serem higienizadas pela lavanderia, sem precisar sair de casa. Até o final do ano, são esperados, ao menos, 50 lockers no Brasil. Minas Gerais é um dos focos da rede, que pretende iniciar a implantação por Belo Horizonte.
De acordo com o diretor de expansão e novos negócios da 5àSec, Alex Quezada, a ideia surgiu de uma demanda dos próprios franqueados, que buscavam a abertura de pontos de coletas dentro de condomínios para atendimento em horários alternativos. Além disso, o modelo de negócio se torna mais eficiente porque dispensa o uso de um colaborador, além de funcionar 24 horas, de acordo com a necessidade dos consumidores e no horário de sua preferência. O serviço de limpeza e a devolução ocorre em até 48 horas. O pagamento é feito on-line, por meio do app, após cadastro e o destravamento da porta é realizado por meio de QR Code.
“Não é cobrado nada dos condomínios, já que o investimento é por conta do franqueado, que disponibilizará no espaço, sem custo de implantação ou cobrança mensal, os lockers para que os moradores ou trabalhadores do local possam usar os serviços da lavanderia. Temos lockers com 10, 20 ou 30 portas, de acordo com a estrutura do empreendimento”, ressalta Quezada.
Educação
Também no ano passado, a Wizard by Pearson desenvolveu e lançou um modelo de escola, com aproximadamente 70 metros quadrados, para que os franqueados ofereçam a metodologia da rede dentro de condomínios, bairros menores e cidades pequenas. Com isso, oferece a opção de ensino híbrido, já que na impossibilidade de frequentar as aulas presenciais por conta dos protocolos de biossegurança e restrições sanitárias, o estudante matriculado pode frequentar também as aulas da escola virtual da Wizard by Pearson. O investimento é partir de R$ 100 mil.
Para o Product Owner da Group Software, Carlos Henrique Rocha, é preciso ter em mente que não basta ter uma boa ideia e uma demanda para ter um negócio lucrativo dentro de um condomínio. O público recorrente é um valor para qualquer comerciante, mas também pode exercer um tipo de pressão bem diferente do que acontece com as unidades de rua ou shopping center.
A Group Software é especializada no desenvolvimento de sistemas para gestão de propriedades, com foco em soluções para condomínios, shopping centers e imobiliárias.
“Tem que tomar cuidado com venda de determinados produtos que podem dar problema, como, por exemplo, bebida alcoólica para menores. Existem condomínios que instalaram vending machines como uma primeira experiência comercial. Outro ponto de atrito pode ser com moradores que tinham o desejo de se formalizarem e acabam vendo outras marcas entrando no ‘seu’ espaço. E, pelo lado da marca, como inovar o suficiente para agradar a um público que está todo dia ‘dentro’ da operação? A convivência entre moradores e empresa é muito mais intensa do que entre os passantes em uma rua ou frequentadores de um shopping e uma loja”, alerta Rocha.
Supermercados têm nova proposta para o “novo normal”
Ao passo que os condomínios – estimados em mais de 500 mil no Brasil – se tornam hubs de negócios, nenhum setor se mostrou mais adequado e desejado do que o de supermercados.
Embarcando tecnologia de automação e adequando mix, os supermercados encontraram não só um novo nicho, mas também uma oportunidade de testar novidades, levar a marca para outras cidades e completar a sua lista de canais de vendas.
A rede Super Nosso aderiu à tendência. Para acelerar o processo de criação de um novo formato, a opção foi se tornar sócia da Be Honest, startup que já atuava na instalação de mercados autônomos, sediada em Belo Horizonte.
De acordo com o gerente de Projetos, Novos Negócios e Omnicanalidade do Super Nosso, Augusto Teixeira, o varejo busca constantemente pela conveniência. Se houve um tempo em que grandes lojas, com sortimento completo de produtos, era uma inovação, hoje o caminho em direção aos condomínios é uma realidade.
“Nos últimos tempos a tendência de lojas menores, com coisas já embaladas, prontas, se consolidou. Para atender às necessidades do consumidor atual devemos ter atacarejo, loja física, e-commerce e vimos que teríamos que estar nos condomínios. Nos tornamos acionistas da Be Honest. Temos, agora, 120 unidades e a meta é fechar o ano com 320 em todo o Brasil”, explica Teixeira.
As unidades Be Honest estão sendo convertidas para a marca Super Nosso. Por enquanto, a expansão é feita com lojas próprias que podem ser instaladas, inclusive, em torres comerciais e utilizar contêineres. Condomínios com mais de 70 apartamentos estão aptos a receber uma unidade
“Aliamos toda a tecnologia e energia da Be Honest à nossa expertise no varejo e o valor da nossa marca. Começamos a fazer a conversão do antigo mix para o nosso e já observamos o aumento de vendas nessas unidades. Cerca de 20 lojas estão no Distrito Federal e essa é uma oportunidade de levarmos essa experiência para fora de Minas, não necessariamente com a nossa marca”, afirma o gerente de Projetos, Novos Negócios e Omnicanalidade do Super Nosso.
Já a multinacional Carrefour optou por desenvolver o formato internamente. Segundo o diretor de Proximidade do Carrefour, João Gravata, o projeto de lojas autônomas para condomínios já estava em andamento e foi acelerado pela pandemia. O formato ainda se restringe à Região Metropolitana de São Paulo, mas em breve chegará às capitais e maiores cidades do Brasil por meio do modelo de franquias. São lojas de 15m2 a 60m2.
“A evolução do varejo é tracionada pelos hábitos de compra das pessoas. O nosso papel é ter um olhar atento e responder da forma mais estruturada possível. Operamos desde hipermercados, até a conveniência do express. Ir ao condomínio é mais um passo nesse processo. Estar onde o cliente precisa que estejamos e gerando empregos mais qualificados”, avalia Gravata.
Já a Market4u, que já opera em Belo Horizonte, inovou dentro da própria inovação e oferece modelos para diferentes perfis de condomínios:
Express – mini mercado com estrutura mais enxuta que atende a condomínios com menos de 100 unidades;
Premium – que oferece, além do básico para o dia a dia, itens importados.
Para o CEO da Market4u, Eduardo Cordova, a ocupação dos condomínios começou há muito tempo, com academias e espaços de festa. Agora, a transformação digital está entregando tecnologia. O franqueado fica responsável por um centro de distribuição local, abastecer os mercados autônomos e prospectar clientes na região. A estimativa é que cada unidade faça a gestão de cerca de 150 mercados. O investimento médio para abertura de uma franquia é de R$ 20 mil.
“O desafio é atender o cliente dentro de casa e só o delivery não resolve. Comodidade é o grande valor e foi acrescido pela segurança. Conseguimos enxugar bastante os custos para o franqueado porque dividimos a conta com a indústria. Ela cede, por exemplo, equipamentos como freezers, em forma de comodato. Além disso, incentivamos as parcerias com fornecedores locais, principalmente para aqueles produtos regionais. Isso também ajuda a diminuir custos com logística e armazenamento, destaca Cordova.
Fonte: Diário do comércio